O relatório preliminar que elencou a praia do Pântano do Sul, no Sul de Florianópolis, como a mais contaminada por microplástico do Brasil trouxe divergência entre os especialistas. Por um lado, os pesquisadores da Organização Não-Governamental (ONG) Sea Shepherd Brasil e do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), responsáveis pelo levantamento dos dados, acreditam que a pesquisa é necessária para mostrar a qualidade dos resíduos encontrados na costa brasileira. No entanto, os moradores entendem que o relatório pode trazer prejuízos para o comércio e turismo local.
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A praia do Pântano do Sul, conforme os dados preliminares, apresentou uma densidade média de 144,16 microplásticos por metro quadrado, sendo considerada a maior quantidade do Brasil. Segundo o pesquisador Alexander Turra, do Instituto de Oceanografia da USP, que participou do relatório preliminar “Expedição Ondas Limpas” da ONG Sea Shepherd Brasil, os pesquisadores podem ter encontrado a praia em uma “situação bastante extrema” no dia em que foi feito a coleta das amostras.
— A gente pode ter pego uma situação bastante extrema no momento em que a gente foi. Mas o fato é que esse dado indica que a praia pode ficar assim. Isso sinaliza uma coisa muito importante: mesmo você tendo um local tão especial, tão bem cuidado com o Pântano do Sul, ele não está livre dessa contaminação, que é um processo global, que tem componentes que não dependem da localidade — explica o pesquisador, que também é coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano.
Como foi feito o estudo que elencou praia de SC como a mais poluída do Brasil
Conforme Turra, a coleta do material na praia do Sul de Florianópolis ocorreu em um único dia devido a dificuldade dos voluntários em avaliar as 306 praias da costa brasileira em mais de um dia de pesquisa. Ou seja, ao longo do levantamento, não foram feitas novas avaliações para comprovar que a contaminação por microplástico no Pântano do Sul seja algo recorrente. Contudo, ele ressalta a importância da expedição e afirma que o objetivo era mostrar o que podemos encontrar na costa do país.
— Temos uma amostragem muito significativa do que tem para o país. Na escala de Brasil, a gente tem 306 observações. Mas na escala de praia, a gente tem uma só — diz.
Uma das maneiras de avaliar a contaminação por microplásticos de forma nas praias brasileiras, segundo o pesquisador, seria através da rede “Oceano Limpo“, que estabelece uma estrutura colaborativa com diversos setores da sociedade para elaborar estratégias de monitoramento para combater o lixo no mar, a partir de políticas públicas integradas. Atualmente a rede conta com a participação de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Norte, Ceará, Amapá, Bahia e Rio de Janeiro. Santa Catarina, de acordo com Turra, “se movimenta” para participar.
— Precisamos sim olhar para as praias ao longo do tempo e várias vezes para a gente entender como esses fenômenos se dão e como podemos ler eles de forma prática e pragmática para mudar a realidade — fala o pesquisador.
O relatório preliminar foi produzido através da primeira expedição científica que mapeou a poluição por plástico em toda a costa brasileira da história do país. Anteriormente, somente as regiões Sudeste e Nordeste haviam recebido análises desse tipo. “Os resultados dessa pesquisa revelam um cenário alarmante e a urgente necessidade de agirmos para proteger o oceano”, diz trecho do relatório.
Os voluntários da ONG, que variavam entre cientistas, fotógrafos, marinheiros, cozinheiros, motoristas e engenheiro mecânico, analisaram uma área de cerca de 156 mil metros quadrados em 201 municípios brasileiros, do Chuí ao Oiapoque, entre abril de 2022 e agosto de 2023.
De onde surgem os microplásticos encontrados em Florianópolis?
O microplástico é o resultado da fragmentação do plástico ao longo dos anos e chega às praias a partir da circulação do mar e dos oceanos, informou o biólogo Alcides Dutra, também presidente do Instituto LARUS. Segundo o especialista, os moradores ou turistas da praia não são os responsáveis pela contaminação no local.
— Se uma sacola de plástico for descartada na natureza, ela vai levar algumas décadas para se transformar em microplástico. Caso esse descarte seja feito na areia da praia do Pântano do Sul, por exemplo, em poucos minutos ela já não vai estar mais lá. Isso significa que a poluição de microplástico nunca é feita no local onde é encontrado. O plástico não vai ficar ali parado durante décadas — fala o biólogo.
O especialista acredita que o material encontrado no Pântano do Sul no dia da coleta da amostra veio de outras regiões devido a dinâmica de circulação do mar. Ele também ressalta a importância de se fazer uma pesquisa mais aprofundada para entender se a poluição por microplástico no local seja algo recorrente.
— O Pântano do Sul é a única praia da Ilha de Santa Catarina que não dá para colocar esgoto, não tem nenhum rio, nenhum riacho, que tenha a possibilidade de trazer material das comunidades que vivem em terra firme para dentro do mar. […] Os dados preliminares podem dar indícios de que merece haver uma pesquisa ali, eles servem para isso. Deve ser feita uma pesquisa que, na verdade, seria uma coleta sistemática e periódica de material. A partir desse período de informação, esse material receberia um tratamento estatístico. Depois, você teria uma informação que poderia se chamar de um estudo científico — detalha o biólogo.
Não há legislação para medir índice de microplástico nas águas do Brasil
Os dados preliminares da “Expedição Ondas Limpas” foram coletados através da areia da praia do Pântano do Sul, ou seja, sem a avaliação da qualidade do mar. Contudo, segundo as últimas avaliações semanais do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA/SC), a praia do Sul da Ilha está própria para banho em relação às questões sanitárias.
Conforme o IMA, o monitoramento feito pelo órgão segue os critérios de balneabilidade em águas brasileiras exigidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
— Verificamos a presença da quantidade de coliformes fecais, que são bactérias específicas. Para a gente determinar se a praia é própria ou imprópria para banho, em relação as essas questão dos microplásticos, é uma dinâmica completamente diferente — diz o diretor de Controle e Passivos Ambientais, Diego Hemkemeier Silva.
Conforme o especialista, não há legislação no Brasil para determinar a qualidade do mar em relação a presença dos microplásitcos:
— A gente não sabe se o que foi detectado, por exemplo, pelo pessoal que fez o estudo, é algo nocivo à saúde. É algo que a gente tem que começar a repensar, algo preocupante, porque é o plástico que a gente usa em qualquer situação, todo mundo usa, mas não existe regulamentação.
A água é considerada:
Própria: quando em 80% ou mais de um conjunto de amostras coletadas nas últimas cinco semanas anteriores, no mesmo local, houver no máximo 800 Escherichia coli por 100 mililitros.
Imprópria: quando em mais de 20% de um conjunto de amostras coletadas nas últimas cinco semanas anteriores, no mesmo local, for superior que 800 Escherichia coli por 100 mililitros ou quando, na última coleta, o resultado for superior a 2000 Escherichia coli por 100 mililitros.
O que diz a Associação dos Moradores do Pântano do Sul
Em entrevista ao NSC Total, Leonardo Mariano Crisóstomo, membro da Associação dos Moradores do Pântano do Sul (AMPSUL), acredita que o termo “poluição” traz prejuízos para o turismo e comércio local.
— É uma comunidade pesqueira que depende de alugueis de casas, restaurantes, passeios para a Praia da Lagoinha, o comércio de ambulantes. Não somos nós, os moradores aqui, que produzimos esse lixo. Ele vem de outros lugares, como em outras praias também acontecem — afirma.
Em nota, a prefeitura de Florianópolis, por meio Secretaria Municipal de Meio Ambiente Sustentável, também ressaltou que os microplásticos encontrados nas praias não são resultado da poluição local, mas sim de resíduos transportados por correntes oceânicas oriundas de outras regiões.
“O próprio estudo revela que as praias mais afetadas são as mais isoladas e protegidas. Plásticos descartados de forma inadequada em outras regiões do globo terrestre se fragmentam e chegam às praias, mesmo que estas não sejam poluídas diretamente. Lembramos que a praia do Pântano do Sul tem sua qualidade de água própria para banho, apresentando balneabilidade própria ao longo de todo ano”, informou a prefeitura.
Como foi feito o relatório?
Cada área de estudo foi delimitada considerando o distanciamento de interferências, como barracas, entradas de praia, entre outras, e também a linha mais alta da última maré e o início da zona de praia. Para a coleta de macrorresíduos, foram definidas quatro seções (bandas de 5 metros de largura), distribuídas aleatoriamente ao longo da área de estudo (100 metros). A coleta de microplásticos foi realizada em 12 quadrados de 0,25 metros quadrados, onde foram utilizadas peneiras de malhas específicas e água.
Todos os macrorresíduos encontrados dentro das seções foram pesados e categorizados in loco, seguindo o protocolo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), enquanto os microplásticos foram enviados para análise em laboratório, onde foram classificados e identificados por cor, forma e tamanho com a utilização de lupas e microscópios.
Os resultados mostraram que 100% das praias do Brasil contêm resíduos plásticos, com microplásticos encontrados em 97% delas. Do total de resíduos, 91% são plásticos, sendo 61% itens descartáveis e de uso único, como tampas de garrafa. Além disso, 22% têm vida longa, como plásticos duros e 17% são apetrechos de pesca, como linhas de nylon.
“Embora sejam frequentemente destacados como um grande vilão dos descartáveis, os canudos representam apenas 2,15% dos resíduos encontrados nas praias brasileiras. Outros tipos de plástico, como os filtros de cigarro, são mais predominantes e contribuem significativamente para a poluição”, informa o relatório.
Fonte:NSC