Em menos de uma semana, quatro mulheres foram vítimas de feminicídio em Santa Catarina. A quantidade de casos em todo o mês de fevereiro, seis ao todo, supera o mesmo período do ano anterior, quando cinco casos haviam sido registrados.
A reportagem do NSC Total apurou que, somente entre os dias 20 e 23 de fevereiro, quatro feminicídios ocorreram no Estado. Os dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina (SSP/SC) indicam que, em 2025, oito casos aconteceram entre janeiro e fevereiro, com uma redução na comparação com 2024. Nos dois primeiros meses do ano passado, 10 mulheres morreram em situações de feminicídio.
Ao longo de todo o ano passado, 51 feminicídios aconteceram no Estado, de acordo com a SSP/SC.
Relembre os casos
Os quatro feminicídios da última semana aconteceram de quinta-feira (20) ao domingo (23), nos municípios de Videira, Indaial, Chapecó e Joinville, onde ocorreu o caso mais recente. Uma mulher de 51 anos, identificada como uma garota de programa, foi morta a facadas dentro de uma residência pelo suspeito, preso em flagrante pelos policiais.
Anteriormente, Samara Greiner da Silva, de 25 anos, foi assassinada a tiros dentro de um apartamento em Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, na noite de sábado (22). O principal suspeito é o ex-companheiro da vítima, que continua foragido.
Em Indaial, a vítima do crime, de 46 anos, foi encontrada morta dentro de casa, com sinais de violência, na quinta-feira (20). Segundo a Polícia Militar, o namorado é o principal suspeito.
Uma mulher, de 42 anos, foi morta a facadas dentro da cozinha de um restaurante em Videira, no Meio-Oeste de Santa Catarina. O corpo dela foi localizado na manhã de quinta-feira (20).
Número acende um alerta
A advogada Ana Paula Nunes, especialista nos direitos das mulheres, afirma que esses números são um reflexo negativo das ações que se mostram insuficientes no Estado.
— A gente precisa falar sobre violência de uma forma mais aberta, sendo transparente de como é e quais são as formas de violência, como elas iniciam, as fragilidades. Principalmente com relação a essa perspectiva, porque a gente fala assim “violência física é isso, violência psicológica é isso” mas a gente não aprofunda — explica.
A advogada defende que o enfrentamento à violência contra as mulheres precisa ocorrer de uma maneira mais intensa e eficaz.
— Isso é uma guerra. Os números revelam isso. Nós somos potenciais vítimas a qualquer momento. Estando trabalhando, estando na rua, estando em casa, estando em qualquer lugar, nós somos potenciais vítimas de ofensa em si. E nada é feito no sentido de nos dar uma efetiva proteção — pontua.
Em relação às ações de política pública, a advogada reforça que elas precisam ser cada vez mais voltadas para a prevenção dos diferentes tipos de violência, que são prováveis caminhos para o feminicídio. Além disso, o acesso a elas também deve ser mais facilitado.
— As políticas públicas precisam ter correlação à prevenção. Fazer as pessoas entenderem que esse olhar, ele mata, ele fere, ele atinge, que as mulheres têm sim os seus direitos e eles (homens) precisam se desconstruir. E para as mulheres, é ter a possibilidade de poderem acessar os órgãos de proteção e a gente tem muita falha nisso — afirma a advogada.
Para Ana Paula, a falta de uma delegacia de proteção à mulher com funcionamento 24 horas na maior cidade de Santa Catarina ilustra a problemática.
Impacto na sociedade
São diversas as sequelas deixadas na vida das vítimas de violência e nas famílias. De acordo com a advogada, o acompanhamento psicológico não é suficiente na maioria das vezes. Por conta disso, as mulheres vivem pelo resto da vida em uma situação de vulnerabilidade psicológica.
Ainda segundo Ana Paula, os filhos dessas mulheres também são grandes vítimas. O contato com a violência doméstica ainda na infância é nocivo e gera impactos para a vida toda.
— Esse impacto revela o grande problema social que é a violência. E essas crianças, sendo então órfãs do feminicídio, é muito mais cruel. É uma criança que sabe que a relação que deveria ser de afeto acabou deixando ela sem mãe, sem quem as ampare, porque também não vão ficar com o pai. Acaba com uma família inteira — diz.
Por fim, a advogada defende que atitudes precisam ser tomadas pelos órgãos públicos para a reversão da atual situação em Santa Catarina, que reflete a brutalidade da sociedade com as mulheres.
— A cultura que está presente em todos os lugares, em todos os ambientes, revela que Santa Catarina é um estado que mata mulheres. É um estado que precisa acordar na gravidade que é um feminicídio, a violência, e precisa trabalhar na base. (…) O fato de nós termos em pouco tempo tantos feminicídios revela a grave situação em que as mulheres catarinenses estão — reforça.
Atuação na prevenção dos crimes
Como pontuado pela advogada Ana Paula, o feminicídio, frequentemente, é o ponto final do ciclo da violência contra a mulher. O delegado geral da Polícia Civil, Ulisses Gabriel, explica que o feminicídio é um crime passional e, por conta disso, mais complicado de ser combatido.
— A gente não consegue estar dentro das casas e fazer com que naquele momento ocorra a prevenção. Via de regra não é um crime que acontece na rua, é um crime que se dá às escondidas. Então esse é um dos nossos maiores problemas — pontua o delegado geral.
O delegado afirma que o órgão tem investido cada vez mais em ações de prevenção à violência contra a mulher, visando tanto o aumento do número de denúncias para a atuação efetiva dos agentes nestes casos, quanto a redução do número dessas ocorrências por meio da conscientização da população catarinense.
Um exemplo dessas ações de prevenção é o programa “PC por elas”, que busca acolher e acompanhar mulheres em situação de vulnerabilidade social e que sofreram violência doméstica. Segundo o delegado, também são realizadas rodas de conversa, palestras em escolas e outras ações.
— Nós estamos tendo um aumento de denúncias no que diz respeito à violência doméstica e atuando cada vez mais. Além disso, nós também, com esse aumento de denúncias, nós estamos instaurando mais procedimentos envolvendo crimes de violência doméstica, exatamente porque a gente está fazendo com que a sociedade se movimente — finaliza.
Fonte:NSC