Em Pomerode, a chamada “Indústria 4.0” não é apenas um conceito dos livros de gestão ou das palestras sobre o futuro do trabalho. Ela já foi parar onde tudo começa: na escola e na formação profissional.
Do SENAI às escolas públicas, passando pelo colégio particular que investe em robótica, a cidade mostra como tecnologia e inovação, quando entram na base da educação, formam crianças e jovens capazes de entender, usar e transformar o mundo conectado em que vivem. Mais do que operar máquinas sofisticadas, eles aprendem a pensar de forma crítica, criativa e colaborativa. E é justamente aí que o futuro deixa de ser promessa e vira prática cotidiana.
SENAI Pomerode: onde a indústria 4.0 começa
“Com essas novas tecnologias, estamos alinhados com o que há de mais moderno na indústria.” A frase de Mara Rúbia da Silva, coordenadora de Educação Profissional do SENAI em Pomerode, resume a mudança de chave: o aluno não é preparado para um mercado que um dia virá, ele já treina hoje com os mesmos recursos tecnológicos encontrados nas indústrias mais modernas. Um exemplo disso é que no laboratório de Manutenção 4.0 do SENAI, o estudante encontra não apenas um motor ligado a correias. Ele encontra um cenário realista, replicado em ambiente didático:
Um conjunto completo com motor trifásico, acoplamentos, mancais e correias, controlado por um painel elétrico conforme a NR-12. Nessa bancada o aluno aprende, na prática, como fazer manutenção com segurança e precisão.
Alinhadores de eixos e polias a laser – Equipamentos que usam feixes de luz para verificar se eixos ou polias estão alinhados corretamente. Mesmo pequenos desalinhamentos podem causar grandes problemas no futuro.
Medidor de tensão de correias sônico – Aparelho que “escuta” o som da correia quando tocada e, pela frequência, calcula se a tensão está correta — como afinar um instrumento musical.
Analisador de vibração, câmera termográfica, estetoscópio eletrônico e endoscópio industrial.
Ferramentas que ajudam a identificar problemas que não podem ser vistos a olho nu, como vibrações, aquecimento excessivo, ruídos internos e desgastes escondidos.
Somam-se a isso kits de calços de precisão, laboratórios de informática e uma planta didática de Indústria 4.0, conectando tudo em rede. Os alunos dos cursos técnicos em Mecânica, Eletromecânica, Desenvolvimento de Sistemas e dos cursos profissionais de curta duração aprendem a conectar máquinas, sensores e softwares, explorando Internet das Coisas (IoT), monitoramento remoto e manutenção preditiva. “Isso permitirá que nossos alunos, em sala de aula, desenvolvam situações de aprendizagem conectando essas tecnologias ao conteúdo já previsto em nossos cursos”, explica Mara.
O resultado é uma mudança de mentalidade: o profissional formado não vê mais a indústria como algo distante, complexo ou inacessível. Ele compreende o sistema inteiro, da mecânica básica aos dados que chegam na tela de um computador ou de um celular.
A instituição, por sua vez, deixa de ser apenas um local de formação técnica e passa a atuar como plataforma de evolução tecnológica, irradiando inovação para as empresas do entorno. Os jovens que hoje treinam nesses laboratórios serão, amanhã, aqueles que apresentarão novas soluções à própria indústria catarinense.
Demótica: a casa inteligente como sala de aula
Se a produção industrial mudou, as casas também. E o SENAI/SESI de Pomerode levou essa transformação para dentro do currículo, por meio do Laboratório de Domótica, que em breve estará concluído. O espaço simula um ambiente residencial inteligente, em que tudo conversa:
Câmeras de monitoramento permitem acompanhar o ambiente em tempo real;
Sensores de temperatura alimentam sistemas automáticos de ventilação e climatização;
Fechaduras eletrônicas controlam o acesso com segurança e praticidade;
Assistente virtual Alexa integra os comandos de voz aos dispositivos;
Iluminação inteligente cria cenários personalizados, com luzes que podem ser ligadas, desligadas ou ajustadas remotamente.
Para o aluno, essa estrutura não é um show-room: é um laboratório de experimentação. Ele aprende, por exemplo, como um sensor de temperatura se comunica com um sistema que liga o ar-condicionado, como programar rotinas, como integrar diferentes dispositivos e como pensar a casa como um ecossistema digital.
O futuro das residências, e também de prédios comerciais, hospitais, escolas e fábricas, passa por esse tipo de automação. Ao vivenciar isso ainda na formação, o estudante entende que domótica não é luxo, mas um novo padrão de conforto, segurança e eficiência energética.
Inteligência artificial na costura: segurança e eficiência
Outro exemplo de como a tecnologia já faz parte da formação profissional vem da área têxtil, tão forte na região. Máquinas de costura com inteligência artificial embarcada mostram como inovação pode andar junto com segurança, qualidade e produtividade.
A Máquina Reta de Costura JACK A5E-A AMH é equipada com um chip de IA que “lê” o tecido em tempo real e ajusta automaticamente os parâmetros de costura. O resultado? Menos falhas, mais precisão e redução de retrabalho. Já a Overlock Industrial Jack C7-3 Urus, também com IA, é capaz de:
Ajustar-se sozinha a diferentes tipos de tecido, do jeans pesado ao tule, passando por materiais superelásticos;
Detectar e reagir a mudanças 32 mil vezes por segundo;
Oferecer respostas ultrarrápidas de torque, sem perda de tração;
Operar com eixo único, o que traz leveza e agilidade;
Integrar painel e control box em um design moderno, com entrada USB e até comando de voz para informações operacionais e diagnóstico de erros;
Entrar em modo standby para economizar energia quando não está em uso.
Na prática, o que poderia parecer apenas um avanço de fábrica vira também conteúdo pedagógico. As turmas aprendem sobre ergonomia, segurança do trabalhador, eficiência energética, programação fina de máquinas e a lógica, cada vez mais presente, de sistemas que “pensam junto” com o operador.
Essas experiências ajudam a quebrar um mito ainda comum: o de que tecnologia vem para substituir pessoas. Nas aulas, os estudantes percebem que, na verdade, ela cria novos papéis, que vão desde programar e ajustar máquinas inteligentes até desenhar fluxos de produção mais humanos e sustentáveis.
Lousas digitais: a sala de aula da rede pública em alta definição
Se nos laboratórios a inovação é visível nas máquinas, nas escolas públicas de Pomerode ela aparece em um equipamento que, à primeira vista, parece simples: a lousa digital.
Para a professora de Artes, Ana Cristina Schumacher, que atua na EBM “Almirante Barroso” e na EEBM “Duque de Caxias”, a chegada da primeira lousa em 2019 foi um divisor de águas. “Foi muito gratificante receber a primeira lousa digital como projeto piloto. Em Artes, o trabalho com imagens é essencial, ainda mais em tamanho ampliado.”
A tela grande transforma a experiência dos estudantes: obras de arte, fotografias e vídeos deixam de ser pequenas ilustrações no livro didático e passam a ocupar a parede inteira da sala. As aulas ficam mais visuais, interativas e próximas do universo digital em que os alunos já estão inseridos. Mas Ana foi além do uso básico. Ao perceber que ainda existiam poucos recursos prontos para o Dia da Consciência Negra, ela mesma criou jogos no site Wordwall, com o tema “Personalidades Brasileiras Afrodescendentes”. A proposta era apresentar artistas, intelectuais e figuras importantes para a cultura do país, usando a dinâmica dos games:
Cada estudante tinha seu momento de jogar individualmente na lousa;
Enquanto isso, os colegas trabalhavam no caderno, mas acompanhavam atentos ao desempenho do colega – tentando depois “bater o ranking”;
Ao fim, houve anotações, discussões e prova escrita, unindo o digital e o analógico.
“O objetivo foi fazer algo inovador apresentando a importância dessas pessoas por meio dos jogos na lousa. Os estudantes se motivaram bastante, principalmente os meninos, que são mais competitivos, ainda mais quando descobriram que o jogo possuía ranking”, conta a professora.
Hoje, Ana diz que utiliza a lousa em mais de 50% de suas aulas e não se imagina voltando a trabalhar como em 2001, quando começou a carreira docente: “Como estamos inseridos num mundo cercado de tecnologia, ela precisa estar presente na escola também. É impossível para mim trabalhar como no início de carreira. Muita coisa mudou nesses anos e as metodologias na escola também precisam andar junto com essas mudanças.”
Ao relatar sua própria trajetória, ela também mostra como a formação contínua do professor se reinventa: em vez de manuais extensos, vídeos tutoriais, exploração dos ícones e “testes” nas horas-atividade. Usar a lousa digital tornou-se, para ela, tão intuitivo quanto mexer em um smartphone. Língua alemã e telas interativas: participação ativa
Na EEBM Prof. Curt Brandes, a professora de Língua Alemã Cláudia Reinicke Maas também percebeu o impacto das lousas digitais no ensino. Para ela, a presença desses equipamentos nas escolas públicas de Pomerode “representa um avanço muito significativo”, pois torna possível:
Trabalhar imagens, vídeos, jogos e situações comunicativas de maneira integrada;
Aproximar o conteúdo do cotidiano dos estudantes;
Contextualizar o idioma com cenas reais, mapas, diálogos e materiais multimídia.
Cláudia usa as lousas sobretudo para criar atividades interativas: jogos de arrastar e soltar, desafios de vocabulário com imagens, quizzes, trilhas, exercícios de escuta com vídeos curtos. O foco é claro: “O objetivo principal é transformar o aluno em participante ativo, permitindo que ele explore o conteúdo de maneira lúdica e significativa.”
Ela destaca, ainda, o impacto na inclusão: ao ajustar fontes, cores, ritmo e recursos visuais, consegue adaptar a aula para estudantes com necessidades específicas. O resultado aparece no dia a dia:
Engajamento maior – os alunos pedem para interagir com o material, querem ir à lousa, propõem novas atividades;
Melhora no vocabulário e na compreensão de textos simples;
Mais criatividade – os estudantes inventam diálogos, criam soluções para desafios e sugerem novos usos para os recursos digitais. Cláudia reconhece que há desafios, como o tempo de preparação das atividades e os imprevistos técnicos de qualquer equipamento conectado. Mas reforça um ponto essencial para o futuro da educação: “A tecnologia não substitui a prática docente, mas potencializa aquilo que já fazemos bem. Com o tempo, o uso se torna algo natural e os resultados, muito gratificantes.”
Essa visão é central para entender como a inovação tecnológica, quando bem integrada, não apaga o papel do professor, e sim o reposiciona como mediador, designer de experiências de aprendizagem e facilitador da participação ativa dos estudantes.
Robótica educacional: o futuro em construção
No Colégio Doutor Blumenau, a robótica já é parte do calendário semanal dos alunos, uma aula de uma hora e meia, recheada de movimento, curiosidade e, como descreve a professora Claudiane Pscheidt, “a aula mais divertida da semana, onde os alunos aprendem brincando”. Professora de inglês há 17 anos e de robótica há dois, Claudiane migrou de área após um convite e percebeu que muito do que já fazia, como o uso de lousa digital e atividades tecnológicas em sala, ganhou um novo patamar quando passou a trabalhar com kits, motores, sensores e programação. As aulas são oferecidas através do programa desenvolvido pela Robomind (uma escola de robótica que atua dentro de algumas instituições de ensino, com atividades extracurriculares). A base pedagógica é o STEAM (Science, Technology, Engineering, Arts and Mathematics), uma abordagem que integra ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática em projetos concretos. Cada aula segue uma lógica clara:
Discussão de um tema – meio ambiente, mobilidade, saúde, entre outros;
Construção de um robô relacionado ao tema;
Programação desse robô para realizar determinada tarefa;
Evolução do projeto – sempre há um desafio a mais, um ajuste, um “algo diferente” do que foi proposto inicialmente. “Eles são o tempo todo instigados a fazer mais”, diz a professora.
Aprender fazendo: da lógica à disciplina
As turmas são organizadas em ciclos que acompanham o desenvolvimento das crianças:
1º ano – trabalha com peças maiores, de outro fabricante, adequadas à coordenação motora e ao estágio cognitivo dos menores;
2º ao 4º ano – passa a usar peças com visual próximo ao Lego, mais coloridas e lúdicas;
5º ao 8º ano – entra no universo de eixos, engrenagens e programação mais complexa, em que “peça de Lego tem muito pouco”, como brinca Claudiane.
Mais do que aprender a montar robôs, os alunos também internalizam rotinas importantes para qualquer ambiente profissional: ao fim da aula, desmontam e organizam os kits, conferem se tudo está no lugar, respeitam o espaço do colega que vai usar o mesmo material na semana seguinte. “Eu sempre falo para eles: vocês não querem pegar uma coisa montada, então não podem deixar montado para os amigos”, comenta a professora. É tecnologia ensinando também disciplina, responsabilidade e cuidado com o coletivo.
A lógica que atravessa todas as profissões
Quando fala em futuro, Claudiane não se refere apenas a carreiras em engenharia, computação ou áreas diretamente ligadas à tecnologia. Para ela, a robótica desenvolve algo mais profundo: lógica, capacidade de sequenciar tarefas, resolver problemas e aplicar matemática de forma concreta.
As aulas de robótica são cheias de energia, experimentação e, muitas vezes, barulho, de alunos engajados, discutindo, testando, errando, acertando. “Eles muitas vezes nem percebem, mas estão aprendendo muito”, diz a professora. Essa aprendizagem significativa, em que o estudante entende o propósito do que faz e conecta o conteúdo com o cotidiano, é o que ela considera o coração do curso.
Da sala de aula ao pódio internacional
Um robô com inteligência artificial capaz de analisar expressões faciais e corporais para identificar sinais de estresse, ansiedade e Burnout, desenvolvido na escola de robótica Robomind, pela turma de Jaraguá do Sul, conquistou o primeiro lugar na categoria Future Innovators durante o WRO Open Americas 2025, no Panamá. Os criadores do projeto – Giuseppe Bertholdi, 14 anos, Guilhermo Pedersetti, 13 anos, e Pedro Henrique Ramos Furlan, 14 anos, – formaram a equipe V.I.B.E (Visual Interpretation of Behavior and Expressions -Interpretação Visual de Comportamento e Expressões) especialmente para esse projeto.
O grupo dedicou meses ao desenvolvimento do robô, que combina tecnologia e empatia ao oferecer uma solução voltada ao cuidado com as pessoas. Batizado de VIBE, o dispositivo utiliza visão computacional e inteligência artificial e pode ser adaptado para operar em câmeras e equipamentos já presentes em ambientes corporativos. “A ideia é ajudar empresas e profissionais de saúde a monitorar emoções e prevenir transtornos mentais”, explicam os estudantes.
A conquista do ouro no Panamá representou uma experiência marcante para os jovens brasileiros, que competiram com equipes de países como Itália, Coreia e Vietnã, entre outros.
Tecnologia, humanidade e futuro compartilhado
De um lado, sensores, câmeras, lasers, inteligência artificial e plantas didáticas de Indústria 4.0. De outro, crianças e jovens que ainda estão descobrindo o que querem ser “quando crescer”.
O que Pomerode mostra, por meio de seus laboratórios do SENAI, suas lousas digitais nas escolas públicas e as aulas de robótica em colégio particular, é que essas duas pontas já se encontram hoje. A tecnologia deixa de ser um fim em si e passa a ser meio para aprender, criar, incluir e transformar.
Ao formar estudantes capazes de dominar ferramentas avançadas, mas também de trabalhar em equipe, pensar criticamente e propor soluções para problemas reais, a cidade sinaliza um caminho possível para a educação brasileira:
Tecnologia integrada ao currículo, não como acessório, mas como linguagem do tempo presente;
Professores protagonistas na inovação, reinventando sua prática e desenhando experiências digitais significativas;
Jovens protagonistas na transformação, preparados não apenas para ocupar vagas de trabalho, mas para criar as profissões, os produtos e os serviços de um mundo em constante mudança.
No fim das contas, a mensagem que ecoa das oficinas, das salas com lousa digital e dos laboratórios de robótica em Pomerode é simples e poderosa. A tecnologia e a inovação são o presente que nas mãos de profissionais e cidadãos preparados, transformará o futuro.
Fonte:Testo Notícias